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Pouco depois, pareceu-lhe que alguém se mexia no pátio. Voltou-se para o canto esquerdo e distinguiu a silhueta delicada, insignificante de Chéhata, o marceneiro. O homem parecia absorvido numa tarefa que exigia uma eternidade. Os seus olhos ternos não se mexiam nas órbitas; mantinha-os continuamente cravados no trabalho. Ibrahim Chéhata, o marceneiro, um ser taciturno e insondável, ocupava, na companhia da sua mulher e dos seus quatro filhos, um infame reduto nas profundezas da casa. Esta família famélica arrastava uma miséria verdadeiramente medieval. Todos morriam de fraqueza. (...)
Demasiado pobre para arrendar uma loja, o marceneiro instalara-se num canto do pátio. Viam-no sempre a entregar-se a um trabalho minucioso e quase clandestino. Mas este incessante labor escondia uma miséria perseverante e trágica, pois, na realidade, o trabalho que o marceneiro apresentava não respondia a nenhuma encomenda de clientes. Representava, pare ele, uma espécie de narcótico. Com o espírito monopolizado pelo trabalho ingrato, tentava esquecer a sua extrema indigência e, sobretudo, a fome insaciável que o devorava."
Albert Cossery, in A Casa da Morte Certa, Antígona, 2001.