Eu sei que te recordas, facilmente te recordarás: era aquele jovem que vendia fruta e legumes em Sidi Bouzid. Imolou-se, e veio a morrer dias depois em consequência da imolação.
Bouazizi tinha um diploma como tu; desemerdava-se com o seu carrinho ambulante, tal como tu te orientas com as tuas merdas, para contornar o abandono a que te sentes votado pela sociedade, pelo Estado, pelo mundo que te rodeia. Bouazizi já não tinha sequer a solução da emigração, porque a nossa querida Europa deixou de precisar “deles”, sabes como é: abriu-lhes as portas quando dava jeito para enriquecer mais um pouco e depois atira-os ao mar, bye bye, hasta la vista.
Não queria começar a falar num tom mais sério, porque estamos todos tão fartos que já nos fartamos de tudo. Estamos fartos de ler o jornal, fartos de receber emails, fartos da mesma conversa na rua... Não queria que me compreendesses mal. Se escrevo, não é para fazer-te mal, mesmo se por vezes pareço estar contra ti por causa das interrogações que me parecem necessárias para atravessar o deserto de olhos abertos. Pensar em determinados ângulos de visão só nos fará bem. Mas não os tomes como pontos fixos. Nem de fuga à realidade, aquela que nos espera fora dos plasmas, das redes sociais, dos textos de circunstância.