As Edições Sempre-em-Pé de novo no Gato

A livraria do Gato Vadio sempre propôs alguns dos livros das Edições Sempre-em-Pé, uma pequena editora da região do Porto coordenada por José Carlos da Costa Marques. Como já só tínhamos alguns exemplares, decidimos alargar a sua oferta. Evidentemente, este nome evoca de imediato o mais coerente e continuado percurso no activismo e no pensamento ecológico, depois dos desaparecimentos recentes de Afonso Cautela e Gonçalo Ribeiro Telles. Lembremos a sua actividade editorial, pioneira neste domínio, com a edição da revista A Urtiga, nos anos 1970 e 80, de que é hoje difícil imaginar o apelo alternativo e a singularidade, e da colecção Viver é Preciso, editada pela Afrontamento e próxima do espírito da revista. As edições Sempre-em-Pé, sendo sucessoras dessas iniciativas, vieram trazer uma muito necessária renovação à oferta editorial neste campo: estabelecida no início do século XXI, o seu catálogo não é vasto, mas apresenta-se muito selectivo e inovador. 

O Gato Vadio propõe agora os seguintes livros da Sempre-em-Pé:

- Ivan Illich, Para uma história das necessidades
- Bill Deval e George Sessions, Ecologia Profunda
- Campo Aberto, Espaços Verdes e Vivos (uma co-edição com a Associação Campo Aberto)
- Bernard Charbonneau, O Jardim de Babilónia
- AA.VV., As Constituições Democráticas do Terceiro Milénio
- Jonathan Dawson, Ecoaldeias, Novas Fronteiras para a Sustentabilidade
- John Pfeiffer, Construir a Esperança
- AA.VV., Alimentos Transgénicos
- Lanza del Vasto, Peregrinação às Fontes

Entre outros, encontram-se esgotados dois livros pioneiros da consciência ecológica no século XX: 

- Aldo Leopold, Pensar Como uma Montanha
- Rachel Carson, Maravilhar-se


Uma nótula sobre o livro
Ecologia Profunda, Sempre-em-Pé, 2004, €18

O livro de Bill Devall e George Sessions, publicado nos EUA em 1985, abriga, para além das reflexões originais dos seus autores, uma ampla antologia de autores fundamentais, com destaque para Arne Naess, Gary Snyder, Fritjof Capra, Paul Shepard, John Seed, entre muitos outros. Esse esforço antológico continua a revelar-se precioso em língua portuguesa, sobretudo deste lado do Atlântico: muito pouco ou nada tem saído entre nós sobre a Ecologia Profunda, uma das correntes de pensamento ecológico mais originais dos anos finais do século anterior. De alguma forma, ela partilhou, nos Estados Unidos, o espaço da ecologia radical com o municipalismo libertário e ecológico de um Murray Bookchin, mas dando a essa radicalidade uma acepção muito diferente. 

O primeiro capítulo do livro abre, aliás, com uns ainda hoje muito necessários «cenários para o movimento ambiental/ecológico». São aí listadas algumas das correntes ecologistas: sucessivamente, deparamos com uma descrição do «ambientalismo reformista», da «nova direita» e outras teses do conservacionismo reaccionário, das correntes da nova era ou aquarianos de diversas inspirações, das novas perspectivas libertárias que associam o ambiente à defesa da auto-organização e dos comuns, assim como da ecologia profunda e do cultivo da consciência ecológica. Esta latitude de perspectivas revela-se preciosa para aqueles que querem aprofundar a sua cultura filosófica e política em torno do ecologismo. Não há, com efeito, um movimento ecológico singular ou unificado. Acreditamos mesmo que, com o agravamento geral da situação ambiental nas três décadas que passaram desde a edição original do livro, a nossa necessidade de clarificação aprofundada das perspectivas ecológicas se tornou mais imperativa: o sistema de predação da natureza tenta convencer as populações de que bastam adaptações nos sistemas energético e de reciclagem para que a estrutura económica e social que temos hoje (2021) possa perseverar. Evidentemente, são muitos os cidadãos que desejariam ser embalados por essa ilusão, mas a crueza dos factos é agora demasiado evidente, levando a uma descrença que tanto se mostra uma oportunidade histórica quanto uma perigosa fonte de tentações totalitárias. A crítica que aqui é feita a um certo ambientalismo tecnocrático, se já era pertinente aquando da redacção do livro, torna-se hoje muito mais urgente e complexa e está exposta na própria adopção desses pressupostos pelas correntes político-económicas convencionais.  

E o que é a Ecologia Profunda, ela que se mostra igualmente crítica dos modelos demasiado humanos do activismo tradicional? Deixemos que seja o próprio livro a dar um lamiré de resposta:

«A intuição da igualdade biocêntrica consiste em pensar que todas as coisas na biosfera têm um direito igual a viver e florescer e a alcançar as suas próprias formas individuais desabrochadas, o direito à auto-realização no interior de uma mais vasta realização do Eu. Essa intuição básica é a de que todos os organismos e entidades da ecosfera, enquanto partes inter-relacionadas do todo, são iguais em valor intrínseco. Naess sugere que a igualdade biocêntrica como intuição é verdadeira em princípio, se bem que no processo da vida todas as espécies se unam umas às outras como alimento, abrigo, etc. A predação mútua é um facto biológico da vida, e muitas das religiões do mundo se defrontaram com as implicações espirituais desse facto» (p. 88). 

Assinale-se, por fim, que saiu também, alguns anos depois e dos mesmos autores, Deep Ecology for the 21st Century (Shambhala Publications).

JLR