Os livros do Atelier de Création Libertaire no Gato Vadio

O Gato acaba de receber as novidades e uma larga selecção do fundo de catálogo do Atelier de Création Libertaire, editora sediada em Lyon, que comemora este ano 42 anos de actividade continuada. Neste período, o ACL publicou 240 livros de grande qualidade, tocando, não apenas o pensamento anarquista e a tradição libertária, mas também um enorme conjunto de temas das ciências sociais, da filosofia, da história, da pedagogia ou das artes. Tanto quanto sabemos, estes livros nunca estiveram disponíveis em Portugal, muito embora se trate de uma oferta editorial de grande importância e originalidade em língua francesa.

Como é bem conhecido, a livraria do Gato Vadio oferece nas suas estantes, desde sempre, as mais diversas publicações informais ou militantes, que constituem uma parte importante da criação editorial, seja no domínio político ou cultural. O Atelier de Criação Libertária demonstra, contudo, que as edições ancoradas em perspectivas filosóficas e políticas bem especificadas podem também produzir livros de grande qualidade, quer no seu aspecto gráfico, quer na qualidade dos textos oferecidos. Estes livros não se dirigem apenas aos que circulam num «meio» qualificado como «libertário», mas antes do mais a todos os que gostam de livros, livros bem produzidos, acutilantes e inteligentes. Provam-no os livros do ACL, mesmo quando algum tema se prende directamente com algum aspecto da rica história do pensamento anarquista.

Começamos por apresentar dois dos muitos livros que podem agora encontrar no Gato Vadio:

Orsetta Bellani, Indios sans roi. Rencontres avec des femmes et des hommes du Chiapas
ACL, 2017
150 pp., €11

Orsetta Bellani é uma jornalista independente que percorre a América Latina desde 2009 e, em particular, o Chiapas, onde passou a viver nos últimos anos. Chiapas é um estado no sudeste do México, onde uma grande parte da população é descendente dos maias. A partir de 1994, a insurreição do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) adquiriu larga implantação na região, dando origem a um México que se autonomizou do Estado e vive ao ritmo das necessidades dos mais pobres. Atualmente há 32 municípios autónomos zapatistas em Chiapas. O grupo é uma referência a Emiliano Zapata, general que liderou a Revolução Mexicana de 1910, admirado por defender os direitos dos camponeses pobres. Distanciando-se dos modelos revolucionários importados que percorreram a América Latina no século XX, os zapatistas estão próximos do buen vivir, «uma filosofia de vida, presente na visão do mundo e nas práticas dos povos nativos americanos, construída a partir do contacto entre a cultura indígena ancestral e a civilização europeia. Trata-se de um conceito holístico que abarca os seres humanos que estabelecem relações de solidariedade e reciprocidade entre si, vivendo ao mesmo tempo em equilíbrio com a natureza, segundo uma lógica cosmocêntrica e não antropocêntrica».

Murray Bookchin e Dave Foreman, Quelle écologie radicale?
Tradução francesa de Juliette Michelet. Textos inéditos de Lauriane Guillout, Jacques Grinevald, David Levine e Steve Chase
ACL, 2021
215 pp., €13

Este livro oferece os elementos principais de um debate importantíssimo no seio do movimento ecológico entre os defensores da «ecologia social», cujo grande nome histórico é aquele de Murray Bookchin, e os advogados da «ecologia profunda», aqui representada pelos escritos de Dave Foreman. Se os dois campos teóricos e políticos começaram por se opor numa espécie de guerra de trincheiras da ecologia política, este livro apresenta o dossier dos pontos de convergência entre estas duas perspectivas, ambas essenciais para a acção ecológica num período dominado pelas alterações climáticas. Trata-se portanto de uma edição actualizada de um debate histórico que ainda hoje provoca e estimula os activismos ambientalistas e ecologistas.