Esforçando-se por renovar e diversificar o seu espaço livreiro, o Gato Vadio tem vindo a convidar excelentes editores portugueses (e em breve estrangeiros) que, por uma ou outra razão, não têm tido a atenção e o acompanhamento que mereceriam da parte do circuito livreiro. Acresce que estes são editores com um programa editorial bem afirmado, geralmente minoritário, que a actual estrutura do mercado tende a marginalizar. Daí disponibilizarmos agora o conjunto dos livros da KKYM, uma das mais importantes iniciativas portuguesas no campo do ensaio, de que iremos dando eco nas nótulas do gato. Na ocasião, entabulámos uma breve conversa com o seu editor, Vítor Silva.
Como
defines o espaço editorial ocupado (ou criado) pela KKYM?
A
nossa intenção, a do João Figueira, da Marta Mestre e a minha,
surgiu por volta de 2010, a partir do interesse que tínhamos por uma
“linhagem”, ou melhor, um filão de autores pelos quais sentíamos
uma grande afinidade e com os quais nutríamos o âmbito dos nossos
próprios estudos e pesquisas. O João é arquitecto, a Marta é
curadora e a minha formação é em artes plásticas. Sentimos que
havia espaço para editarmos e publicarmos em língua portuguesa
autores que gostávamos e que, por alguma razão, não existiam ainda
no panorama nacional. Desejávamos, sobretudo, inaugurar um espaço
de divulgação do pensamento de historiadores da arte, filósofos e
ensaístas que de certa maneira deslocavam a questão da arte para
outros domínios, como a antropologia e a teoria das imagens. No
nosso jargão, tratava-se de abrir
as imagens,
porque nos interessava, como importa, o desejo de ver, de conhecer o
modo como operam as imagens, como elas pensam e nos fazem pensar.
Disputámos, sobretudo no plano editorial, um lugar outro onde não
se subestime o papel das imagens como forças de pensamento.
Num
país onde escassamente se fala dos livros que vão saindo, onde
quase não há crítica e onde a rede livreira se encontra muito
fragilizada, a KKYM faz acompanhar a publicação de muitos dos seus
livros pela realização de diversas iniciativas públicas,
presentes, creio, desde o início da vossa actividade. Como as
descreves? Qual a sua importância para a prossecução do vosso
labor editorial?
Em
2011, o plano editorial começou com a Dafne Editora e a abertura do
André Tavares a este projecto. E foi por ocasião do lançamento dos
três primeiros livros, que teve lugar, a nosso convite, a primeira
conferência de Hans Belting e Jacques Rancière na Culturgest em
Lisboa. A partir daqui enveredámos por esta forma: juntar ao livro e
à publicação de ensaios e ebooks, outras actividades relevantes,
como a conferência, o contacto entre autor e público, o debate na
Universidade, mas também a exposição, a programação de cinema e
a dança. Interessou-nos a forma do livro e a proximidade dos autores
com os leitores, com os seus pares, com os artistas portugueses e as
suas diferentes manifestações artísticas. A estratégia determinou
um carácter muito singular ao projecto e as suas consequências
foram positivas, ao permitir-nos promover o pensamento dos autores,
sem perder de vista as porosidades e os vasos comunicantes que
constituem o campo heterogéneo da edição, da leitura e das
imagens, no estreito espaço nacional.
Ao
contrário do que acontece frequentemente entre nós, a KKYM não se
limita a editar um ou outro livro mais conhecido dos «seus»
autores, sustentando antes um trabalho continuado com muitos deles, o
que a meu ver favorece sobremaneira a vida cultural em língua
portuguesa. Quais são as dificuldades e os benefícios desta
prática?
A
relação com os autores é fundamental. A eles se deve o caminho
perseverante que a KKYM tem traçado. A afinidade entre todos eles
está bem presente na forma como articulam entre si os seus distintos
saberes, referências e campos de actuação. Do nosso lado, sabemos
acolher a suas sugestões e propostas. E, de todos, recebemos a
generosa colaboração e simpatia. Georges Didi-Huberman, em
especial, acompanha-nos desde o primeiro momento. H. Belting, V. I.
Stoichita e J. Rancière continuam a fazê-lo, apoiando-nos.
O
trabalho editorial é, como se imagina, sempre lento e exigente, em
especial quando se trata de livros sobre as imagens e com as imagens.
À partida, as linhas condutoras das edições obedecem a um projecto
e a um programa, cujo tema geral e contéudos específicos englobam
em cada ciclo muitas das actividades já referidas. Julgo que há
vantagens em assegurar linhas de continuidade, embora sem descurar a
surpresa de excelentes autores como F. Frontisi-Ducroux ou Horst
Bredekamp, absolutamente desconhecidos na língua portuguesa. Estes
casos traduzem a condição de abertura sempre presente relativa ao
estudo sobre as imagens e a cada projecto que se desenvolve. São
outras portas que se abrem à curiosidade, ao estudo e ao
aprofundamento do leitor. Fazem parte de uma vontade de manter, à
maneira de A. Warburg, a lei da “boa vizinhança”, onde a
resposta à questão colocada por um livro se pode encontrar naquele
que se encontra ao lado.
Em
todo este processo, não queria esquecer a estreita colaboração dos
tradutores e designer para a qualidade do projecto. É verdade que
sem os apoios institucionais, as parcerias e, sobretudo, os leitores,
tudo seria muito mais complicado e difícil.
O
que podes dizer sobre o futuro do projecto?
Neste
momento, a KKYM integra um projecto em preparação: Mal
Levante /
(Un)common
ground,
para 2020/21. Não posso abrir muito o véu. Trata-se de uma aparente
viragem nos propósitos, não um desvio inesperado, mas mais uma
transformação incontornável para quem começou pela edição do
livro de J. Rancière, Estética
e Política, A Partilha do Sensível.
Será antes um recomeço. Voltar a colocar a questão da imagem no
âmago da vida e do conflito político, ou seja, do nosso desejo de
uma vida outra e de uma partilha comum.
JLR