Bestiário · Besloten · A Batalha | Nótulas & Novidades / Junho 2020


Bestiário #2 | Maio de 2020
1016 pág (- 370). €25

O Gato acaba de receber a Bestiário #2, dedicada aos monstros. São de sublinhar as relações entre o nome da revista e o tema deste número em particular. O bestiário era um género textual amplamente produzida no contexto monástico da Idade Média, no qual as morfologias animal e humana davam azo a sucessivas leituras alegóricas da vida e das qualidades morais dos seres. É notável a plasticidade imaginária de muitos desses exemplares, sobretudo no que revelam da instabilidade presente nas categorias do natural, do criado e do fabricado, do humano e do não-humano. Nesse contexto, o monstruoso não estava claramente delimitado ou tipificado: podemos dizer que todos os seres podiam aí adquirir do pé para a mão traços monstruosos, uma vez que a monstruosidade dependia muito mais do próprio universum metafísico em que habitavam. Uma parte da modernidade, sobretudo a partir do romantismo, redescobriu o monstro, reabilitou-o, alegorizou-o com base em novos pressupostos e, sobretudo, individualizou-o. A Bestiário #2 revisita o tema a partir da dissolução desta tradição, um processo em que os chamados axiomas euclidianos do espaço são agora os condutores privilegiados das manifestações essenciais do monstruoso. O número não se perde na teorização do monstruoso, embora hajam dela alguns exemplos, uns mais conseguidos do que outros. O ensaio de António Baião, cujo posicionamento a encerrar o número diz algo das suas responsabilidades na concepção deste, abre com «os bestiários quinhentistas», já tardios, o que denota a opção por um corte periodiológico no tratamento destes materiais. Faz sentido, já que o «normal» é também uma elaboração histórica que se afirma a partir desse período. Na categoria híbrida da práxis/teoria colocaremos os dois contributos mais marcantes do volume: por um lado, os desenhos inéditos de João Jacinto, profusamente distribuídos ao longo do número e que trazem consigo essa qualidade «monstruosa» do desenho, onde o desígnio de formar e de mostrar se equivalem, usando os termos de Jean-Luc Nancy. Por outro lado, o trabalho literário de Alberto Velho Nogueira, incluindo um dos seus objectos escritos informes – esses monstros infiltrados nas livrarias assépticas do burgo –, dito «teatro» e aqui integralmente reeditado (Lapin Sósia [Ocupante de Grozni, da Warschauer Strasse]), acompanhado ainda de um ensaio sobre Teixeira de Pascoaes. De uma só penada, dois exemplares da obra édita mas confidencial de um singular expatriado da literatura em língua portuguesa. Depois desta sua exposição quase inédita, o Gato só espera a oportunidade de vir a ter o próprio AVN no seu «hotel-hospício». Uma referência ainda à banda desenhada de André Coelho, realizada a partir de Monstros, de José Gil. Ou de como a fenomenologia do monstro é sempre também um devir monstruoso.



Alberto Velho Nogueira, Besloten Hofjes Sehnsucht Desfocada
485 págs. | €18
O Gato ainda não se aplicou a abrir este Besloten. O volume é magnífico e as páginas fechadas pedem navalha, corta-papéis ou unha de gato bibliófilo. Editado pela mesma equipa que faz a Bestiário, há no ar uma grande aleluia pela escrita de AVN. Conhecidos os seus outros textos, esta será certamente capaz de se medir com aquela de Bataille.



A Batalha
| VI série, Ano LXVI, nº 287  | €1

De Bataille à Batalha. Terceira novidade provinda do mesmo colectivo, mas antiquíssima novidade, uma vez que estamos a falar d’A Batalha, centenário jornal que foi o antigo órgão do anarco-sindicalismo no território português. Dessa memória encontramos aqui uma entrevista inédita com Emídio Santana e outros elementos sobre a história do anarquismo. O rasto da actualidade do anarquismo é mais complicado: é forjado, desde logo, pelo vazio da Academia, que lá vai pondo o anarquismo no seu fundo de comércio, nomeadamente pela mão de um certo José Pedro Zúquete, agora mais interessado noutras movimentações, como aqui se expõe. Nesse reino, tudo se equivale. No jornal, há espaço ainda para as reinvenções do anarquismo, afinal o essencial, mesmo que não levem o nome.


Nótulas do Gato
Uma escolha subjectivamente pertinente de livros disponíveis no Gato, alheia a qualquer selecção de ordem comercial ou de favor, apenas submetida ao prazer (por vezes perverso) de pôr os livros mais inesperados nas mãos dos leitores. A acompanhar na nova página do Gato no Facebook.




Ler também a entrevista...


JLR