As Exclamações de Saguenail e Jacinto Rodrigues vêm ao Gato

 

Novidades da Livraria:
AS EXCLAMAÇÕES DE SAGUENAIL E JACINTO RODRIGUES VÊM AO GATO!

No conjunto dos livros recém-saídos da Exclamação, a disponibilizar pelo Gato Vadio a partir deste mês, encontram-se duas obras de Saguenail: Doble e Pedal de Foldulogia. Aqui deixamos a nossa nótula sobre o primeiro, que também foi por nós apresentado no espaço da Exclamação, nossa vizinha e amiga, em dezembro passado.

 

Saguenail
O JOGO DO DUPLO

Este conjunto de narrativas de Saguenail reintroduz na literatura em português um tema cuja importância no imaginário não tem sido objecto de criações que simultaneamente assumam a sua riquíssima herança e sejam capazes de o renovar. Para escrever no plano do Duplo é preciso estar duplamente vivo; é preciso viver retirado das «evidências» que nos lançam nos automatismos quotidianos e é preciso lançar-se contra as divisórias da existência, olhar o sangue e as equimoses e interrogar-se sobre o seu fenómeno. Saguenail faz ambas as coisas, não só com mestria, mas também com aquele seu génio de recriador de interrogações. Saguenail é um autor muito próximo das fontes (para-literárias e literárias) do questionamento. É uma qualidade decisiva para se poder escrever hoje narrativas de duplos que não sejam simples paráfrases da sua tradição ou meras exibições de um virtuosismo que cairia no equívoco do original, pecado mortal no reino dos duplos.

Saguenail escreve como se tudo já tivesse sido contado antes, mas, ao fazê-lo, está já a deslocar as posições relativas do narrador, das personagens e do leitor. Ora, mais do que as relações diegéticas da própria história, são essas posições relativas que desdobram o segredo do duplo e permitem as suas narrativas. Todos estes seres estão, desde sempre, em situação de «duplicação» virtual e actual, passiva e activa, carnal e espiritual. Todos se deslocam amarrados uns aos outros, mas com graus variáveis de consciência dessa situação, no palco da existência. Estas treze narrativas (ou 12 mais 1 reflexão teórica, dado que a prática da literatura mais abissal se abre também a uma teoria em devir ficcional e a uma ficção em devir teórico) desembocam numa ficção jubilatória onde a explosão de duplos no mundo contemporâneo nos dá um dos melhores retratos de uma sociedade onde o cerne do produtivismo se desloca dos bens materiais para as identidades e os seus ilusionismos.

Certeiramente, Saguenail cita Baudelaire, quer na epígrafe do volume («O artista só é artista se for duplo e se não ignorar nenhum fenómeno da sua dupla natureza») quer numa das suas narrativas filosóficas, a décima-primeira: é a célebre evocação (Les Fleurs du mal) do leitor «meu semelhante, meu irmão», mas também esse «hipócrita», que lhe dá o mote para prolongar uma reflexão sobre a díade «duplicação» e «duplicidade» que tão bem caracteriza o papel narcísico da criação artística, em particular na modernidade. Neste ponto, sabemos que estamos diante de um autor que reflecte nas intersecções entre psique e psicose, cultura material e simbólica, informação e identidade. E seria já muito, a merecer aqui o nosso sublinhado. Mas a isso acrescentaremos, o que nos parece ser o essencial, que esta escrita dá a ver, em caleidoscópio, a constante latência da inviabilidade dos sujeitos, os modos como escorregam para o poço do «double bind» e como, nessa situação, só o cómico mais grotesco, violento e afectivo pode dar uma descrição condigna das nossas pretensões soberanas.

Jorge Leandro Rosa


Jacinto Rodrigues

Também disponibilizaremos os míticos e impertinentes cadernos que Jacinto Rodrigues escreveu, policopiou e editou no âmbito da cadeira de Arquitectura que leccionava nos anos 1970 na Faculdade de Belas-Artes do Porto. 

Ecologia, Exclamação, Porto, 2021

Utopia, Espaço e Sociedade, notas do seminário na ESBAP, Exclamação, Porto, 2021.

Quem abrir, nestes anos cinzentos que atravessamos, estas reedições fac-similadas, com os seus dactiloscritos e as belíssimas ilustrações de Graça Martins e Isabel de Sá, depara com perspectivas das relações entre sociedade, ecologia e políticas urbanas e energéticas absolutamente actuais e ainda visionárias. Para além de serem livros que alimentam as nossas memórias e a admiração por uma figura singular das práticas ecológicas e utópicas entre nós, um dissidente quer do fascismo, quer do regime instalado depois do 25 de Abril, são também volumes altamente estimulantes para todos os que, sendo mais jovens, encontrarão aqui a vontade e a criatividade postas na reinvenção de uma sociedade que possa ser compatível com a natureza (fora e dentro de nós).

«Para podermos avançar a ideia de eco-desenvolvimento, é preciso desfazer a ilusão de uma certa ideia de progresso. E o mais difícil consiste no facto de as pessoas, aceitando metafisicamente a ideia de «progresso» quando estas se apresentam críticas do processo de crescimento quantitativo, terem sempre uma atitude de desconfiança. Arcaísmo e modernismo não podem, porém, apresentar-se como únicas alternativas da discussão. O eco-desenvolvimento contesta antes de tudo este simplismo.» A. Jacinto Rodrigues, Utopia, p. 99.