sáb. 16 de Outubro, às 17:30
Ciclo Textos de Orientação (ou Os textos que vêm do Oriente)
Sessão com António Miguel de Campos, tradutor do Tao Te King e dos textos de Chuang Tse.
Lao Tse, Tao Te King. Livro do Caminho e do Bom Caminhar, Relógio d’Água, Lisboa 2010.
Chuang Tse, Relógio d’Água, Lisboa, 2017.
Um belo dia, o Gato descobriu que decorria, sob os seus bigodes, uma aventura portuguesa no reino da tradução mais do que essencial. Sim, o Tao Te King e o Chuang Tse são rios profundos onde nenhum tradutor tinha ainda ousado pôr o pé. Sonhámos com eles, interrogámo-los em língua estrangeira europeia, mas faltava um nadador de fundo que os trouxesse à língua de Camões.
E tão distantes-próximos que estes textos andavam do português! Nos seus poemas, Camilo Pessanha terá estendido o ouvido a alguma coisa vinda deles, pálidas e raras aproximações do que Lao Tse ou Chuang Tse disseram. António de Campos, engenheiro de profissão (como Álvaro de Campos), dedicou quarenta anos à compreensão do que vinha nesses caracteres misteriosos, mesmo para os chineses de hoje. É este trabalho de amor e de persistência que faz as grandes traduções, aquelas que acabam por se instalar numa língua e a vivificam por dentro. Além de traduzir, António de Campos fez a única coisa que se pode fazer nestes casos: meditou e comentou o texto em mãos. Daí que mais raras e preciosas sejam estas edições.
A profundidade aqui em questão aparenta ser-nos distante: os textos traduzidos por António Campos chegam-nos dessa aparência, tanto na geografia como na cultura. Mas o profundo não é necessariamente longínquo. Essa China, sempre diluída nas aparências do nosso preconceito, aparece aqui tão próxima de nós. De longe vem o sentido mais directo, ou seja, essa evocação do que antecede toda a construção intelectual, e que os textos fundadores do taoísmo parecem abrir com invulgar naturalidade. Abre-se o Tao Te King e atinge-nos uma situação discursiva muito diferente daquelas que nos habituámos a frequentar. Mas logo de imediato nos toma o sentimento de estarmos diante da simples e intuída profundidade da situação humana.
Fala-se hoje muito da China. Fala-se sem perceber grande coisa. E talvez a própria China contemporânea não perceba já grande coisa de si própria. Fazemos então como António de Campos e recorremos a textos dotados desta frescura antiga. António de Campos é um amador, no sentido forte do termo, não um sinólogo; mas os sinólogos portugueses, se os há, não deram ainda nada disto à nossa língua nem à nossa necessidade de orientação.