Plataforma Abstencionista - Apresentação

Sexta-feira, dia 20 de Março, 22h15

Gato Vadio

Rua do Rosário 281


“A revolta, sem aspirar a resolver todas as coisas, pode já, pelo menos, opor-se. (…) Os homens da Europa, abandonados às sombras, afastaram-se do ponto fixo e irradiante. Esquecem o presente por amor do futuro; os seres escravizados, pelos fumos do poder, a miséria dos subúrbios, por amor de uma cidade radiosa e a justiça quotidiana por uma vã terra prometida. Perdida a esperança quanto à liberdade das pessoas, sonham com uma estranha liberdade da espécie; recusam a morte solitária e chamam imortalidade a uma prodigiosa agonia colectiva. Já não acreditam puerilmente que amar um só dia da existência equivalia a justificar os séculos de opressão. Essa a razão por que eles quiseram suprimir a alegria do mundo, adiando-a para outros tempos.”

Albert Camus, in O Homem Revoltado




No papel em 2004, Saramago propôs uma alegoria no Ensaio sobre a Lucidez: a população eleitoral decide votar massivamente em branco, provocando o curto-circuito do sistema eleitoral e esvaziando o poder regulador dos partidos políticos na sociedade.

Na realidade em 2009, a Plataforma Abstencionista reivindica o acto da abstenção como uma forma de provocar o tal curto-circuito descrito pelo escritor. Não sabemos se Saramago sairá da pura ficção para, acto contínuo, abandonar o seu papel literário (e o papel do boletim) e apoiar a proposta abstencionista, ou se colocará uma vez mais a sua cruz (parece ser a única cruzfixa de que ainda não fugiu…).

A utopia de Saramago lida ainda com uma improbabilidade, pois os votos em branco nos ciclos eleitorais são sempre residuais. Ao contrário, a abstenção não é um cenário de ficção já que quase sempre ronda, quando não supera, a percentagem de votos alcançada pelo partido a que sai a sorte grande de 4 em 4 anos.

Convidamos os interessados e o eternos desinteressados, os que votam e os que decidem não votar, os que desejam deixar à Literatura a alegoria e às romarias o alegórico, e, principalmente, convidamos aqueles que já desconfiam, por faducho lusitano, de mais uma iniciativa de cariz político a escutar, conhecer e discutir os objectivos da Plataforma Abstencionista.




Mais informação em:

http://plataforma-abstencionista.blogspot.com/



Publicamos um excerto da carta de princípios da Plataforma Abstencionista


Pedem-nos o voto, diremos não!

As democracias “representativas” inculcam massivamente no imaginário dos cidadãos que os resultados dos actos eleitorais significam procuração irrevogável para o Estado agir, em seu nome, de forma omnipotente e omnipresente.

A democracia resume-se assim a isso mesmo: de tanto em tanto tempo fazer variar nos assentos do Poder aqueles que apenas estão lá não para nos representar como proclamam, mas para fazer cumprir todas as políticas decididas algures nos centros financeiros internacionais. Desta forma, a vontade dos povos e dos indivíduos não tem qualquer poder decisório. No entanto, são chamados sazonalmente ao cumprimento do seu “dever”, a horas e nos lugares certos, sendo-lhes outorgado um falso carácter determinante, vendendo-se assim a ilusão de que mandar representa, apenas, obedecer ao sentimento maioritário. (…)

O sistema capitalista tem sabido lutar bem por este seu paradigma, exigindo a quem dele vive o respeito e aceitação do Estado como entidade reguladora das relações sociais. Os jogos de alianças, a necessidade de apresentar alternativas e soluções como sinal de afirmação construtiva fizeram encostar a "extrema-esquerda" e a "esquerda" à "direita" e parte da "direita" à "esquerda" e ao "centro", juntando-se todos no Parque das Nações a comerem um caldo de maioridade e sensatez. Por isso, nenhuma, mas mesmo nenhuma, força partidária equaciona, hoje, a legitimidade dos cidadãos se sentirem defraudados com o que fazem do seu voto. Outra coisa, aliás, não poderia acontecer: por muito que possa doer a muita gente boa que palmilha caminhos de insubmissão, certo é que a participação nos órgãos de poder institucional significa a aceitação cordata das suas regras de funcionamento e a reverencial simpatia pelo Estado e pelo sistema que o mantém. Há que assumir sem rodeios que nas sociedades modernas a exploração violenta, desumana, arcaica e irracional que o sistema capitalista exerce legalmente vem resultando da "carta branca" fornecida pelos plebiscitos eleitorais. Percebendo a importância que as eleições dão ao sistema capitalista, ao longo das últimas três décadas várias foram as mobilizações em torno da defesa política da abstenção. Não havendo campanhas públicas sistematizadas nem qualquer sector a emergir colectivamente, o poder foi-se aproveitando disso para atribuir os resultados incomodativos à "preguiça", ao "tempo de praia", à "chuva diluviana", à "abstenção técnica", à não "limpeza dos cadernos eleitorais", à "mobilidade dos cidadãos". (…)

Nesta lógica de combate deverá ser claro que uma plataforma de entendimento e acção em defesa da abstenção, que se almeja poder funcionar sem qualquer mecanismo reprodutor dos poderes conhecidos, nunca deverá ser entendida como um fim em si mas antes como um meio para reforçar o ataque sistémico ao capitalismo. Ao longo da história a sociedade humana foi sendo encaminhada para sistemas de funcionamento autocrático e dirigista ao arrepio das normas de relação fraternas, solidárias e horizontais. A introdução das regras mercantilistas, do desempenho individual, da competição e do orgulho na propriedade privada adulteraram a lógica comunal, transformando o ser humano num produto que deve mais do que tem a haver! A desumanização das sociedades dos novos tempos transformou as pessoas em números prontos para o massacre. (…)

Todas as rebeliões começam por uma recusa. Para justificar a tirania, virão pedir-nos o nosso voto.

OLHOS NOS OLHOS, DIR-LHES-EMOS QUE NÃO!


Plataforma Abstencionista
Novembro 2008

(ver texto integral no blog acima indicado)