A Morte do Gato
(…) O gato acordou. Não compreendia a origem do profundo mal-estar que lhe havia interrompido os doces sonhos. Deve haver um cão aqui na cavalariça, pensou, gabando-se do seu requintado instinto. Com prudência, sem fazer o menor ruído, pousou as patas da frente
na portinhola e olhou para fora. Nenhum cão à vista! Estes estúpidos e barulhentos animais ter-se-iam traído imediatamente. Um fumo espesso enchia a cavalariça. Devia tratar-se ainda e sempre do vapor de água que as mulheres haviam lançado sobre o fogo. O gato não se tranquilizou e ficou alerta. Porém, nesta posição, passou da observação das coisas exteriores à sensação de uma grande perturbação interior. Sentia-se mal! O sangue palpitava-lhe nas orelhas, tinha um véu de sombra diante dos olhos e respirar não lhe proporcionava nenhuma satisfação. Saltou da carruagem, mas as patas já não funcionavam bem e rolou com violência para o solo, magoando as coxas. (…) Então o pobre gato, num último movimento decidido, alcançou a coxear a pilha de madeira que já uma vez o salvara, e escalou-a até ao ponto mais alto. Daí olhou em redor. Clarões vermelhos atravessavam o fumo espesso e chegavam até ele. O gato vacilava! Sentia que o mal lhe entrava no corpo pela boca e pelo nariz. Agarrou com toda a força um bocado de madeira entre as patas e encostou-lhe a boca para não respirar. “Farei com que despeçam também este cocheiro”, pensou ele. Apercebeu-se de que rolava para a base da pilha de madeira, mas uma grande sonolência impediu-o de fazer qualquer movimento a fim de se agarrar. Quanto tempo rolou assim? Parecia-lhe cair, cair sempre, sem no entanto sentir…
Ítalo Svevo, in Fábulas, &etc, 2001.
Um ano depois continuamos vivos a cair, a cair sempre, sem no entanto sentir…
(…) O gato acordou. Não compreendia a origem do profundo mal-estar que lhe havia interrompido os doces sonhos. Deve haver um cão aqui na cavalariça, pensou, gabando-se do seu requintado instinto. Com prudência, sem fazer o menor ruído, pousou as patas da frente
na portinhola e olhou para fora. Nenhum cão à vista! Estes estúpidos e barulhentos animais ter-se-iam traído imediatamente. Um fumo espesso enchia a cavalariça. Devia tratar-se ainda e sempre do vapor de água que as mulheres haviam lançado sobre o fogo. O gato não se tranquilizou e ficou alerta. Porém, nesta posição, passou da observação das coisas exteriores à sensação de uma grande perturbação interior. Sentia-se mal! O sangue palpitava-lhe nas orelhas, tinha um véu de sombra diante dos olhos e respirar não lhe proporcionava nenhuma satisfação. Saltou da carruagem, mas as patas já não funcionavam bem e rolou com violência para o solo, magoando as coxas. (…) Então o pobre gato, num último movimento decidido, alcançou a coxear a pilha de madeira que já uma vez o salvara, e escalou-a até ao ponto mais alto. Daí olhou em redor. Clarões vermelhos atravessavam o fumo espesso e chegavam até ele. O gato vacilava! Sentia que o mal lhe entrava no corpo pela boca e pelo nariz. Agarrou com toda a força um bocado de madeira entre as patas e encostou-lhe a boca para não respirar. “Farei com que despeçam também este cocheiro”, pensou ele. Apercebeu-se de que rolava para a base da pilha de madeira, mas uma grande sonolência impediu-o de fazer qualquer movimento a fim de se agarrar. Quanto tempo rolou assim? Parecia-lhe cair, cair sempre, sem no entanto sentir…
Ítalo Svevo, in Fábulas, &etc, 2001.
Um ano depois continuamos vivos a cair, a cair sempre, sem no entanto sentir…