Sessão #4 - Ciclo Entre Culturas ( dia 20/1, às 18h)

Dedicada ao cinema em Moçambique

Convidada: Ana Cristina Pereira

 às 18h do sábado ( 20/1) na livraria Gato Vadio (R. Maternidade, 124, Porto)

Propomos uma reflexão sobre cinema, que parte de uma leitura subjetiva da produção de cinema em Moçambique, desde filmes realizados ainda durante o colonialismo até aos nossos dias.

No que diz respeito ao cinema, podemos compreender o modo de ver moçambicano em três grandes momentos. O primeiro é o cinema da revolução ou de guerrilha, que foi feito durante o estertor do império português. Uma parte interessante dos filmes feitos em Moçambique, nesta altura, tem como autores filhos revoltosos do regime e da nação portuguesa. A outra faceta da produção desta época são os filmes de guerrilha propriamente ditos, feitos no contexto da luta pela independência e ao serviço da estratégia política da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).
O segundo momento acontece depois da independência do país e pode ser considerado o seu período dourado, até ao momento. Trata-se de um cinema ao serviço da construção de uma nação moçambicana, apoiado pelo projeto político que lhe deu corpo. Atualmente, percebemos uma tendência no cinema em Moçambique de consultar um arquivo anterior ao período pós-independência, que tem estado abandonado e que multiplica as verdades históricas, desconstrói o script revolucionário criado no pós-independência, ao mesmo tempo que complexifica a relação com o período colonial.

Texto de Cristina Pereira, investigadora da Universidade do Minho, grande conhecedora da cultura moçambicana, nomeadamente, da sua cultura cinematográfica:
«Torna‑se hoje mais difícil estabelecer em Moçambique um centro
de produção cinematográfico com a importância e a independência que teve na década de 1970 e que afirmava, inclusivamente, uma perceção diferente da história, do mundo e da arte: "Essas perceções divergentes entre os europeus, por um lado, e africanos, por outro lado, também destacaram a luta, mais ampla, da autonomia indígena pós‑colonial africana, cultural e política contra o controlo económico e neocolonial" (Watkins 1995, 116). 
No século XXI, o cinema em Moçambique permanece comprometido com as questões sociais e políticas, até pela continuidade do grupo autoral que o informa, mas doravante será necessário (re)questionar os limites do dizível e as lógicas de
 inclusão e exclusão a ele subjacentes. Vejamos: o género no cinema moçambicano aparece binário, prevalecendo a ideia de que a natureza o determina, além disso, nos filmes de ficção moçambicanos, são excluídos por supressão várias minorias, por exemplo gays, lésbicas, trans, indianos, portugueses, albinos e deficientes.
A explicação primeira para esta realidade surge demasiado óbvia para se poder confiar nela: o cinema é feito por homens, quase sempre brancos, intelectualmente europeus/ocidentais, percecionados como heterossexuais e de classe média/alta. Trata‑se, no entanto, maioritariamente de uma classe profissional filiada numa tradição filosófica, política e artística de esquerda, profundamente anticolonialista e com preocupações políticas e sociais expressas. A intenção de representar um sujeito subalternizado, que não pode ocupar uma categoria monolítica uma vez que esse sujeito é heterogéneo, deveria ter em conta a possibilidade da sua própria voz fazer parte do discurso, como sugere Spivak (2010 [1985]),caso contrário serão sempre outros (intelectuais, artistas, etc.) a falar por ele e todo o intelectual está já desinvestido da possibilidade de dar voz ao subalterno.»