Meus amigos,
Estas planícies continuam iguais,
Adornadas em postal nos campinos que vão sobrando
À superfície dos dias.
As memórias são corrompidas
Numa autobiografia – nunca existiram marceneiros,
Trolhas, padeiros que matassem a fome
A esta geração Gant.
Até eu – meus caros – assumo ser filho de boa cepa;
Não há lugar de impurezas,
Afastámos as criadas que sucumbiram aos desejos do patrão,
Ou vice-versa, se a história iniciasse
No sangue mais próximo.
Mais tarde, de colarinho branco,
Irei fingir a veracidade da poesia,
Dos corpos que se derretem no calor da lezíria.
E, aí, de colarinho branco,
De sorriso próprio,
Falarei do Ribatejo, da sua lonjura estendida em vago olhar.
Rui Pedro Gonçalves, in Diques, Teatros de Vila Real, 2007